Hoje houve algo inesperado. Creio que seja bom partilhar, creio...
Estava eu esperando o sinal para veículos automotivos fechar, ficar na cor vermelha, para chegar ao outro lado da rua. Coisa que todos nós fazemos, todos os dias. Eis que parecia uma eternidade aquela luz verde. Já havia olhado para quase todos os cantos que podia, não tinha mais para o que olhar, mais o que ver. Só me restava dar uma espiada em meu lado esquerdo. E o faço, o faço com espanto. Pois noto ali, parado, parecendo se esconder de todos, uma figura frágil e amedrontada: O Amor.
Sim, custei a acreditar, mas era ele. Ele que louvamos todos os dias, ele que mantemos por nossos queridos, ele que ás vezes nos forçamos a manter afastado! Só posso dizer que era lindo, lindo, sublime. Que olhos, que postura. Cabelos bem penteados, como se modelados pelos ventos. Pelos ventos que não passavam naquele sinal de certo.
Foi breve o momento de contemplação, o sinal ficou vermelho, e todos iniciaram sua travessia. Eu no meio da multidão tentava seguir O Amor, tentava acompanhar cada passo que ele dava e sua direção. Tudo inútil. O perdi de vista, fui sendo levado pelas pessoas e não conseguia mais ver aquela pobre criatura.
Estando do outro lado da rua, finalmente consegui achá-lo. Estava o amor ainda no meio da travessia, demonstrando sinais claros de cansaço e implorando silenciosamente por socorro. Eu nem me pûs a pensar duas vezes, voltei. Ou melhor, tentei voltar. Já era tarde. O sinal abriu e um ônibus sem piedade acertou em cheio O Amor. Ninguém viu. Foi o grito de desespero mais inaudível que esse mundo já presenciou. Eu parei perplexo, não havia mais o que fazer. Sentei ao meio-fio e coloquei a cabeça zonza entre as mãos, me inseria em um estado necessário de transe.
Até que uma voz me resgatou: "Está tudo bem meu filho?". De imediato levantei-me e fitei com escancarada perplexidade os olhos da pessoa que me falava. Era uma senhora em torno de seus bons 70 anos, desfilando um par de olhos ousados de 20 anos, no máximo.
-Sim senhora, estou bem.
-Que bom meu jovem, parece que viu alguém morrer! Fiquei preocupada.
Estaquei perante essa afirmação, "parece que viu alguém morrer!". Afinal, eu havia visto! Resolvi então dizer:
-Sim, eu vi. Não conseguiu atravessar a rua a tempo e morreu agora... Bem ali! apontei com convicção para onde deveria estar o pobre do amor, mas lá nada tinha.
A senhora riu me, com sutileza, mas riu. E eu, sem dar me conta do que falava, prossegui:
-Bem ali, bem ali é onde morreu o amor. Não resistiu...
A senhora de imediato enterrou seus (belos) olhos em mim e me disse com um sorriso leve, daqueles que se levam uma vida para aprender.
-Não se apavore rapaz, também já o vi morrer diversas vezes. Mas ainda assim o encontro em algumas esquinas, em alguns sinais... Você certamente tornará a vê-lo. Deixe o tempo, deixe o tempo...
O sinal novamente ficou vermelho para os veículos e a senhora pôs se a atravessar, sem cerimônia ou despedida. Repentina como me encontrou, foi-se.
Fiquei inerte observando a travessia dela. Era lenta. Lenta como O Amor...
Que Deus o tenha. E nós também.
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3 comentários:
O dono do blog é uma folha rasgada com um poema bonito no fundo!
Simplismente enigmático..
Ótimo!
O amor está em todos os lugares. Gostaria de ter esses olhos da sensibilidade, para poder vê-lo, coração aberto para poder amá-lo e os braços do despreendimento para deixá-lo ir.
Amor no sinal, simplismente!
"Por que?
Por que viver na superficialidade de um sorriso fácil, belo, mas ainda fácil?
Sorriso que ao se abrir esconde os olhos, que dizem ser o espelho d´alma.
Olhos que nem sempre estão em harmonia com o sorriso. É só apertarmos também os nossos olhos com curiosidade que vemos isso.
Se tem tanto no mais profundo mar da alma por que escondê-lo?
Por que?
Por que ser mais um de sorriso fácil sem nada a somar,e só ganhar outros risos fácieis... palavras, assuntos e pessoas fácieis.
Por que um Teatro superficial podendo tanto dar?
Por que esconder os olhos, eles podem tanto falar?
Por que esconder a si mesmo? Ou mostrar para poucos?
Felizes são esses. Tristes são os outros.
Tristes são os que só podem ler.
Tristes os que só sabem escrever.
Tristes os que não sabem viver.
Tristes o que choram a noite e desabafam em uma folha de papel ou nas teclas de um teclado sempre após a meia-noite.
Sinto o cheiro de flores.
Dama da noite ou jasmim?
Veio da minha janela.
Me senti olhada por olhos amarelados de gato negro enquanto escrevia isso e tive medo.
Veio da minha janela.
Talvez essa seja a resposta.
O Medo.
Medo de quem fecha os olhos. Medo e se fecham os olhos.
Medo.
Escreve a noite.
Medo.
Respondo a noite.
Escrito para o profundo escondido e não para o superficial exposto.
Escrito vindo do mais profundo, que só aparece a noite e me entorpece a noite.
Boa Noite!"
Beth.
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